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Argumento ontológico para a existência de Deus - Parte 1

Devo começar com um pedido de desculpas.

Acreditei que seria capaz de ser uma boa blogueira durante o último terço do meu semestre na universidade, mas isso não tem se tornado realidade. Sinto que meus semestres como estudante seguem uma constância: dois meses e meio de tranquilidade (que se traduz em mais tempo para escrever) e o último mês e meio de estresse e caos (que se traduz em usar cada segundo do dia em que consigo manter os olhos abertos trabalhando nas monografias do final de semestre).

Hoje, como eu fui bem disciplinada durante o dia, consegui tirar um tempinho para escrever por aqui. Não garanto que isso vá acontecer todos os dias!

Chega de enrolação, vamos a mais um argumento estudado na filosofia da religião a fim de dar evidências da existência de Deus.

Só relembrando algo que escrevi no post sobre o argumento cosmológico: você terá muita dificuldade em encontrar um filósofo da religião (monoteísta) que creia que UM argumento sozinho serve como evidência suficiente. Existem, de forma bem generalizada, dois grandes grupos: aqueles que acreditam que NENHUMA evidência funcione (esses não são apenas ateus, muitos teístas apoiam essa ideia) e aqueles que acreditam que apenas TODOS os argumentos juntos conseguem formar uma defesa cumulativa para a existência justificada em Deus.

Os argumentos ontológicos são fascinante pois são argumentos que dizem ter premissas elaboradas da razão apenas, sem ajuda de qualquer informação do mundo "lá fora". Diferente, por exemplo, do argumento cosmológico, que observa que tudo o que existe tem um início, o ontológico não precisa de "fatos do mundo" para funcionar. Isso se conhece na filosofia como premissas a priori, ou seja, que vem antes do nosso contato com o mundo (a posteriori).

Eu vou dividir o argumento ontológico em dois posts porque quero falar para vocês dos argumentos elaborados na era moderna e na era contemporânea. Vamos começar do começo.

O argumento ontológico mais famoso veio de um filósofo cabeção chamado Anselmo, do 11o século. O início da sua obra "Proslogion" é uma oração onde ele clama a Deus por uma prova racional para a Sua existência. É aí que ele recebe a grande epifania, que podemos resumir em um silogismo mais ou menos semelhante a esse:

1. Nós concebemos Deus como um ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido.

2. Esse ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido existe apenas na mente ou tanto na mente quanto na realidade.

3. Vamos presumir que este ser só pode ser concebido na mente.

a) Existir tanto na mente quanto na realidade é melhor do que existir apenas na mente.

b) Este ser, existindo apenas na mente, também pode ser concebido como existindo na realidade.

c) Este ser existindo apenas na mente então não é o ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido.

4. Portanto, este ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido existe tanto na realidade quanto na mente.

Parece complexo, né? Enfim, a ideia básica é: o que é melhor, existir só na mente ou existir na realidade e na mente? Existir na realidade e na mente! Se Deus é o ser que podemos conceber como o mais perfeito possível, então Ele existe na realidade.

O argumento de Anselmo foi quase que imediatamente criticado por seu colega de profissão, Gaunilo. Gaunilo disse que ele conseguia conceber uma ilha sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido. É muito provável, porém, que esta ilha não existe. E daí, Anselmo? Anselmo respondeu que não existia contradição em dizer que a ilha perfeita não existia, mas existe contradição quando dizemos que Deus não existe se entendemos Deus como sendo o ser mais perfeito do universo.

O próximo a tentar elaborar algo parecido foi René Descartes, na quinta meditação, onde ele diz ter um argumento para a existência de Deus partindo da ideia de que Deus é um ser supremamente perfeito. Um ser supremamente perfeito não poderia falhar em existir, portanto Deus existe!

Gottfried Leibniz, no século 18, não achou o argumento de Descartes completo pois ele teria que ter provado que é possível existir um ser perfeito, ou que pelo menos a ideia de um ser perfeito é coerente. Leibniz argumentou que perfeições não podem ser analisadas, então é impossível demonstrar que perfeições são incompatíveis. Assim, ele concluiu que todas as perfeições podem existir em um único ser.

Immanuel Kant, no século 19 trouxe uma avassaladora crítica ao pobre Anselmo e seu argumento: existência não é um atributo, portanto, ela não pode ser usada para provar perfeição, muito menos Deus.

Será que os filósofos pararam por aí, deixando a crítica de Kant vencer o dia? Jamais! Filósofos (muito menos os teístas) não desistem tão rápido.

No próximo post veremos quais foram as reformulações que aparentemente fugiram do problema de Kant.

Leia mais:

Anselmo, Proslogion.

René Descartes, Quinta meditação (todas as meditações de Descartes merecem muito do seu tempo!)

Gottfried Leibniz, Novos Ensaios sobre O Entendimento Humano.

Immanuel Kant, A Crítica da Razão Pura.

Francesco Tomatis, O Argumento Ontológico (Editora Paulus)

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