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Filosofia analítica e filosofia continental: qual a diferença?

Antes de entrarmos de cabeça em temas específicos na filosofia da religião, é necessário fazermos uma distinção dentro da filosofia no geral.

Existem, em termos bem abrangentes, duas tradições na filosofia: a analítica e a continental.

Essa distinção é importante porque as duas "escolas" de filosofia tomam rumos bem distintos não só em assuntos abordados, mas na metodologia utilizada. Existe muito debate quanto a legitimidade desses pólos (principalmente por parte daqueles que pertencem à tradição continental) mas, como nenhuma categorização os substituiu até agora, vamos nos ater a eles.

A filosofia analítica refere-se àqueles filósofos que tomam por objetivo desenvolver argumentos lógicos e deduzir fatos com clareza e precisão. Esse tipo de filosofia se identifica com a clareza matemática e científica em seus argumentos. A distinção entre filosofia analítica e continental começou a ser defenida na época de importantes filósofos como Gottlob Frege, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein e G.E. Moore, quando estes queriam inaugurar um novo método de filosofia baseado nas técnicas de lógica formal desenvolvidas por Frege e Russell. O fundamento dessa técnica é uma definição clara dos termos utilizados (o que é "verdade"? o que é "vida"?) e o desenvolvimento de premissas e conclusões derivadas desses termos para resolver clássicos problemas na filosofia.

Wittgenstein

Por outro lado, a filosofia continental refere-se a um tipo de filosofia que se originou com franceses e alemães do século 19 e 20. Às vezes essa tradição se distingue devido ao estilo (mais literário, romântico e reflexivo, menos analítico e menos dependente da lógica formal) ou às abordagens (culturais, políticas, sobre a situação humana e seu significado). A filosofia continental também era e é mais auto-consciente da influência da história e da cultura sobre a interpretação humana. Apesar do nome "continental", referindo-se ao continente europeu, esse nome é um tanto enganoso, já que os primeiros filósofos analíticos também eram europeus. Os primeiros filósofos considerados continentais incluem Hegel, Schopenhauer, Kierkegaard, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre, Gadamer, Horkheimer, Adorno, Marcuse, Habermas, e Foucault.

Schopenhauer

Apesar dessa distinção, os assuntos abordados variam imensamente dentro de cada tradição e é impossível colocar os grupos de filósofos em duas caixinhas, principalmente quando se trata da extremamente variada filosofia continental. Como Brian Leiter enfatizou, a filosofia continental hoje designa “uma série de tradições na filosofia relativamente sobrepostas, algumas cujos personagens não tem quase nada em comum com o outro."

Não pense que estes dois pólos se amam e se respeitam mutuamente. Existem fortes críticas para ambos os lados, geralmente sendo feitas pelos filósofos da tradição "oposta". Os filósofos continentais chamam a filosofia analítica de inóspita, superficial, sem graça e ignorante da vida real. Os filósofos analíticos acusam a filosofia continental de ser confusa, obscura, subjetiva (no sentido pejorativo) e emotiva.

A diferença entre os dois métodos em desenho

Devo de antemão confessar que a minha educação, até recentemente, tem sido (quase) exclusivamente na tradição analítica. Chega até a lacrimejar o olho quando vejo a beleza de um argumento bem formulado. Acredito que 98% da minha biblioteca é constituída de livros de autores analíticos. Então, sim, eu sou tendenciosa (quem não é?). MAS, nos últimos meses tenho tido a oportunidade de estudar a tradição continental e reconheço (e reconhecerei cada vez mais com o passar do tempo) o seu valor. Apesar de quase enlouquecer com o estilo muitas vezes extremamente desarranjado, vejo com cada vez mais clareza que cada tradição seria muito beneficiada com o estudo e o uso dos métodos da outra.

A filosofia da religião, apesar de ter sido dominada nas últimas décadas pela filosofia analítica, tem sua história alicerçada em muitas ideias vindas da filosofia continental. Teremos, no devido tempo, um gostinho das duas.

Leia mais:

- "Analytic Philosophy of Religion" e "Continental Philosophy of Religion" em William Wainwright, The Oxford Handbook of Philosophy of Religion para entender a história específica da filosofia da religião em cada tradição.

- C. G. Prado, A House Devided: Comparing Analytic and Continental Philosophy (Humanity Books, 2003)

- Henrique Jales Ribeiro, Para Compreender a História da Filosofia Analítica (Minerva Coimbra - Portugal)

- Kile Jones, na revista Philosophy Now, faz uma excelente explicação da divisão e das formas em que uma pode aprender da outra (https://philosophynow.org/issues/74/Analytic_versus_Continental_Philosophy)

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