Aristoteles e a filosofia da religião
Se você ler Aristoteles logo após ler alguns dos diálogos de Platão, garanto-lhe que será tedioso!
O fato é que o que temos dos manuscritos que Aristoteles escreveu são apenas suas notas de aulas. Então, como você pode imaginar, é bastante técnico e difícil de entender. É, como Schopenhauer descreveu em duas perfeitas palavras, uma "secura brilhante." Apesar de tudo isso, Aristoteles ainda é uma figura fundamental no estudo da filosofia!
Diferente de Platão, que era apaixonado pelo mundo das ideias, Aristoteles pensava mais no concreto, naquilo que podemos ver e entender. Não é para menos que boa parte de seus estudos foram em biologia! Dá uma olhada na figura aí de baixo: o da esquerda é Platão, apontando para cima, enquanto que o da direita é Aristoteles, gesticulando para as coisas da Terra.
Quando se trata de filosofia da religião, Aristoteles é uma BAITA influência. Até porque, um dos maiores pensadores sobre filosofia da religião, Tomás de Aquino, é diretamente influenciado pelas ideias de Aristoteles. Das diversas ideias que se alastram pela história da filosofia da religião, vou apontar a apenas duas: a descoberta da lógica e a ideia do movedor inamovível. Algumas ideias de Aristoteles, como o conceito de forma e matéria, sua ética das virtudes e a sua diferenciação entre potencialidade e realidade aparecem em muitos argumentos na filosofia da religião, mas irei explicá-los quando aparecerem em outros posts para a coisa não ficar tão complexa (e longa) por aqui.
Quem sabe uma das maiores contribuições de Aristoteles para a filosofia moderna (muito difícil fazer essa afirmação!) é a sistematização da lógica. Como nós mencionamos no post sobre a Filosofia Analítica e Continental, são os filósofos medievais e analíticos que acabam usufruindo mais da lógica formal, mas mesmo assim, esta acaba sendo uma contribuição astronômica para a mentalidade ocidental.
Devaneio: [A figura acima é um jeito de colocar um argumento no formato da lógica formal. Não se assuste! É muito mais legal que parece. Na verdade, vou aproveitar esse espaço para pedir algo para você. Assim que possível...inscreva-se em uma aula de introdução à lógica na universidade mais próxima de você. É sério. Nunca falei tão sério. Você vai amar, você vai se beneficiar enormemente e o mundo vai se beneficiar ainda mais!]
Basicamente, o descobrimento da lógica permitiu que nós pudéssemos analisar um argumento e verificar três coisas: (1) se o argumento é universal ou particular, positivo ou negativo; (2) se o argumento é dedutivo ou indutivo; e (3) se o argumento é válido ou inválido.
Argumento universal: Todas as mães são fêmeas.
Argumento particular: Alguns cônjuges são fêmeas.
Argumento negativo: Um cachorro não é um gato.
Argumento dedutivo: um argumento que parte de uma verdade universal e chega a uma verdade particular (conclusão é necessariamente verdadeira).
Ex: Só há fogo se houver oxigênio. Na lua não há oxigênio. Logo, na lua não pode haver fogo.
Argumento indutivo: argumento que faz generalizações baseados em casos individuais (conclusão não é necessariamente verdadeira).
Ex: Neva em Boston todos os meses de dezembro desde que a história é registrada. Logo, nevará em Boston esse dezembro.
Argumento válido: um argumento dedutivo em que todas as premissas são verdadeiras e a conclusão é deduzida das premissas, o que faz com que a conclusão também seja verdadeira.
Argumento inválido: argumento dedutivo em que pelo menos uma das premissas é falsa e as premissas não deduzem corretamente a conclusão (como, por exemplo, um argumento falacioso).
Aristoteles, de uma forma brilhante, percebeu que o que faz com que um argumento seja válido não é somente o conteúdo, mas a forma. Então, se as premissas forem verdadeiras e seguirem a forma correta, sempre levará a uma conclusão verdadeira. Outra ideia importantíssima na lógica de Aristoteles foi sua lei da não-contradição. Esta lei diz que duas coisas não podem ser verdade e mentira no mesmo tempo e no mesmo sentido.
A segunda ideia de Aristoteles que teve uma grande influência na filosofia da religião é a do movedor inamovível. Para Aristoteles, movimento sempre é algo que necessita de uma explicação, sempre necessita de uma força para se tornar realidade. Portanto, ele acreditava que tudo o que existe precisou de uma primeira causa para colocar as coisas em movimento. Essa ideia é interessante porque Aristoteles, como muitos da Grécia antiga, acreditava que o universo era eterno. Mas, mesmo assim, existe a necessidade de uma causa que fizesse com que o universo estivesse eternamente em movimento.
Porém, para que algo estivesse sempre "movimentando" o universo, essa causa precisava ser inamovível, porque se não essa mesma causa necessitaria de outra coisa para suster o seu movimento. Esta primeira causa Aristoteles chamou de movedor inamovível. Apesar de automaticamente relacionarmos com Deus, o Deus de Aristoteles era bem diferente. Não é um Deus transcendente, nem mesmo tem sentimentos como amor, ou carinho (isso, para Aristoteles, faria com que o movedor fosse vulnerável e, portanto, "movível"). Além disso, esse movedor só pensa em si mesmo. Não em um sentido egoísta mas, para Aristoteles, se ele pensasse em qualquer outra coisa, seria modificável uma vez que qualquer outra coisa está em contínua mudança.
Mais para frente, quando estudarmos Tomás de Aquino, vamos ver o quanto Aristoteles influenciou-o.
Leia mais:
- Aristoteles, Metafisica (principalmente o capítulo XII)
- Aristoteles, De Anima
- Robin Smith, “Aristotle’s Logic,” Stanford Encyclopedia of Philosophy.
- William Lawhead, The Voyage of Discovery.