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O argumento teleológico para a existência de Deus

Meu trabalho de verão é caminhar cachorros. É difícil especificar apenas um motivo para ter procurado esse emprego para ocupar meus dias sem aulas: a minha vontade de passar meus dias lá fora (entenda fora de uma biblioteca), a necessidade de fazer exercício físico, meu amor por cachorros, minha falta de ter um cachorro em casa, etc. Todos juntos servem como justificativas viáveis.

Seja como for, a empresa para qual trabalho é, na verdade, um aplicativo. O slogan é "Uber para cães". Ou seja, onde o dono estiver, ele pode "chamar" um caminhador de cachorro pelo aplicativo e, ao chegar na residência, entramos, pegamos o cachorro e fazemos a caminhada necessária. A parte mais legal do aplicativo é que o dono pode nos "seguir" pelo GPS e ver cada rua que dobramos.

O GPS do aplicativo não é importante apenas para o dono, mas para mim também! Com a minha completa incapacidade de senso de direção, sem o GPS eu ainda estaria com o primeiro cachorro com que caminhei duas semanas atrás, quem sabe já no Canadá. O GPS, vamos colocar assim, determina o meu fim. Ele mostra, mesmo depois de eu dar voltas e mais voltas, qual o meu objetivo final: a casa do cãozinho.

O argumento teológico* para a existência de Deus é sobre "fins". Literalmente falando, telos significa "fim" ou "objetivo". E o que isso tem a ver com o argumento em si? De acordo com o argumento teleológico, o universo em que vivemos parece ter sido criado com o objetivo de manter seres vivos, e não somente quaisquer seres vivos, mas mais incrivelmente, seres vivos com a capacidade cognitiva dos seres humanos. Existem basicamente duas categorias de argumentos teleológicos: argumentos analógicos e argumento para a melhor explicação. Um argumento analógico é um argumento que usa analogias como, por exemplo, que o universo se assemelha a um relógio. Se encontrássemos um objeto com tamanha complexidade simplesmente jogado no chão inferiríamos imediatamente que tal relógio foi feito por um agente inteligente. Estes tipos de argumentos teleológicos foram ferrenhamente criticados por Hume em seu Diálogos Sobre a Religião Natural. O argumento para a melhor explicação é aquele que simplesmente infere que a melhor explicação para a complexidade do universo é um designer.

De acordo com este o último, podemos inferir, a partir da complexidade do universo, de que existe um designer de toda a criação natural, um ser que tenha formulado todas as constantes e parâmetros fundamentais da física, da química e da biologia. O argumento não nos fala muito sobre as características deste designer (diferente do argumento ontológico), mas pode pelo menos inferir que é um ser inteligente e imaterial. Isso porque, se o designer mesmo fosse um ser corpóreo ou físico, ele também teria que ser constituído de partes interrelacionadas, e também teria a necessidade de uma explicação de design.

Assim como o argumento cosmológico, o argumento teleológico começa com um fato contingente. Isto é, existe beleza, complexidade, propósito e regularidade no universo sendo que não era necessário que existisse. Como explicamos, por exemplo, a improbabilidade da sequência do DNA? Ou a complexidade irredutível (organismos que apenas sobrevivem se tiverem todas as suas partes propriamente no lugar) como dos cílios da bactéria ou do nosso sistema imunológico que desafiam o orgulho evolucionista? E o que falar das leis da natureza (a lei gravitacional, a lei electromagnética ou as da termodinâmica) que corroboram para a vida inteligente no planeta Terra?

Não entrarei nas (im)probabilidades de cada uma dessas complexidades ter surgido pelo acaso porque os números são astronômicos. Mas, uma coisa é unânime entre os teístas: a melhor explicação para todos esses "milagres" da natureza é Deus.

Richard Swinburne, um filósofo da religião famosíssimo, elaborou ainda mais o argumento. Ele argumenta que no nosso universo existem apenas duas explicações para um fato: a explicação científica em termos de leis da natureza ou a explicação pessoal em termos de atividade intencional de um agente. Agora, porque a explicação científica explica fatos invocando leis da natureza, ela não pode explicar o porquê existem leis da natureza (seria um argumento circular). Assim, se existe uma explicação, ela deve ser dada em termos de uma atividade intencional de um designer.

Da mesma forma como existem muitos argumentos teleológicos, existem muitas refutações a estes argumentos. Uma das refutações mais comuns é a evolução. Críticos do argumento dirão que, com tempo o suficiente "nas mãos", a evolução é capaz de trazer a tona todas estas supostas complexidades que parecem improváveis. Aqueles que querem refutar o poder da evolução dizem que para que a evolução sequer comece, já é necessário haver muita complexidade dos seres vivos auto-reprodutórios e, por isso, nem evolucionistas podem escapar do argumento teleológico.

A segunda e provavelmente mais recente refutação do argumento teleológico é a teoria dos universos múltiplos. Eu farei um post somente sobre esta refutação, então aguarde!

Outro problema que alguns argumentos teleológicos enfrentam é o problema da teoria das probabilidades. A realidade é que probabilidades, quando se trata do universo, são altamente intuitivas. Nós intuitivamente sentimos que existe uma imensa improbabilidade de existir um universo com tanta complexidade sem um designer, mas passar desta intuição para probabilidades precisas não é uma tarefa fácil. É possível, inclusive, que as probabilidades intuitivas que um ateu tem para a existência de um Deus sejam infinitamente menores do que a probabilidade de um universo complexo surgindo por acaso.

É claro que, com o desenvolvimento da filosofia da religião, muitos (como Swinburne) elaboraram argumentos que tentam se esquivar dos três problemas acima. Porém, como responsáveis avaliadores de argumentos, é necessário analisá-los com cuidado e usá-los com modéstia.

*É muito importante, na minha opinião, chamar este argumento de teleológico em vez de argumento do design inteligente. O último é apenas um dentro da categoria geral do primeiro. Existem muitos outros tipos de argumento que não necessariamente envolvem a ideia de design inteligente.

Leia mais:

* Para uma fantástica análise de alguns argumentos teleológicos, leia o capítulo 5 do The Oxford Handbook of Philosophy of Religion;

* Para um fascinante análise das improbabilidades no universo, recomendo fortemente ler o (ainda não traduzido) Em Defesa da Criação de Lee Strobel.

J. P. Moreland, Chad Meister, e Khaldoun A. Sweis, Debating Christian Theism;

Richard Swinburne, "The Argument from Design" Philosophy 43;

William Paley, "The Analogy of the Watch";

Michael Behe, Darwin's Black Box;

Thomas McPherson, The Argument from Design;

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