Fé e razão na filosofia medieval
Platão e Aristoteles não esgotam toda a filosofia da religião da Grécia antiga, mas definitivamente as ideias deles são as que mais influenciaram o nosso pensamento e análise filosófico.
Por isso, vamos já pular direto para a era medieval! (desculpe-me a pressa, é que sou beem chegada nessa galera medieval)
É na era medieval que nós vemos um desenvolvimento do pensamento grego, mas agora aplicado diretamente ao pensamento religioso, mais especificamente às crenças cristãs e islâmicas. Claro, claro, existem inúmeras diferenças! Os gregos eram politeístas, enquanto que os cristãos e muçulmanos são monoteístas. Os deuses dos gregos eram limitados, o Deus monoteísta não enfrenta qualquer limitação. O deus de Platão não era soberano sobre a criação. O deus de Aristoteles não era transcendente nem pessoal.
Mesmo assim, os filósofos/teólogos medievais eram extremamente atraídos ao método filosófico e a algumas ideias da Grécia antiga. Esse flerte entre os filósofos cristãos e a filosofia grega levantou um problema. Que papel tem a fé? Para os gregos era simples pois eles criam que a razão era o único princípio útil para guiar o pensamento e eles não tinham qualquer escritura sagrada para delinear os limites desse guia. Para os cristãos, duas questões principais limitavam sua utilização da razão: a fé e a Bíblia.
Por causa do "problema" que a fé e a Bíblia impunham na filosofia cristã, pensadores medievais basicamente tomaram um de dois posicionamentos: alguns eram completamente contra o uso da razão e difamavam os filósofos gregos, e outros criaram certas teorias sobre o relacionamento entre fé e razão e utilizavam algumas ideias dos filósofos gregos.
Como resultado do segundo grupo, a idade média é definitivamente a era mais produtiva da filosofia da religião (ou até da filosofia como um todo!).
E não pense que isso estava acontecendo apenas no meio cristão! Os muçulmanos também tiveram um debate sem fim durante os primeiros séculos da sua existência (século 7-10) sobre o papel da razão no estudo da filosofia islâmica. Alguns diziam que o Alcorão era suficiente para saber a verdade sobre todas as coisas, enquanto que outros diziam que a razão + o Alcorão era a receita perfeita. Vamos ver mais sobre essa "briga" mais pra frente.
As perguntas que surgem nesse período são incontáveis, mas entre elas (fé e revelação aqui funcionam de forma intercambiavel):
- A fé cristã é racional?
- Qual o relacionamento entre a fé e a razão?
- Pode-se crer coerentemente na fé e a razão como formas de saber a verdade?
- Se a fé e a razão levarem a conclusões diferentes, como resolver o conflito?
Um dos grandes problemas era o conflito entre o uso ou não da filosofia grega no pensamento cristão. Muitos encontravam na filosofia grega algumas conclusões que iam diretamente contra o que eles acreditavam ser certo, como as crenças que listei lá no início desse post. Essas crenças, para eles, eram repugnantes. Além disso, algumas doutrinas eram completamente ausentes do pensamento deles, como ressurreição, o céu, ou a necessidade da obediência a Deus. Sem contar que algumas passagens bíblicas fomentavam o clube que era contra o uso da razão, como aquele que Paulo fala que a sabedoria do mundo é loucura aos olhos de Deus (I Coríntios 3:19).
Por outro lado, alguns viam uma certa permissão do uso das ideias gregas ao lerem a história de Paulo entre os epicureus e estóicos em Atenas (dois grupos de filósofos gregos!) onde ele disse que estava dando um conhecimento mais pleno do mesmo Deus que eles já estavam adorando (Atos 17). Ele até chegou a citar um filósofo estóico para sustentar sua hipótese. Muitas outras passagens e até livros bíblicos pareciam sustentar a ideia que a filosofia estava liberada do ponto de vista bíblico.
No próximo post, vamos ver exemplos destes dois grupos: Justino, o Mártir e Clemente de Alexandria de um lado do ringue, e Tertuliano do outro.
Sem violência por favor, amigos.