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Platão e a filosofia da religião

"O começo é a parte mais importante do trabalho."

Platão

É praticamente ensinado como lei o fato de a filosofia como nós a conhecemos hoje (no ocidente) ter começado sistematicamente no período Helenístico, ou seja, na Grécia Antiga.

É impossível você fazer um curso introdutório à filosofia sem ser ensinado nas primeiras aulas a respeito das ideias de Sócrates, Platão e Aristoteles. Sou fã desses caras. Na verdade, creio que todo filósofo é fã desses caras. Basta abrir em qualquer um dos diálogos de Platão e ler algumas páginas para você se apaixonar também!

Para começarmos a falar sobre as ideais modernas na filosofia da religião, precisamos voltar até os "fundadores" de todo o pensamento ocidental sobre esse assunto. Platão não era lá um crente no sentido moderno da palavra. Como é sabido, a Grécia era pagã, ou seja, sua cultura religiosa era a de adorar diversos deuses que representavam os fenômenos naturais do mundo. Mesmo assim, existem muitas sementes na filosofia grega.

Sócrates (470-399 a.C) e Platão (428-348 a.C) foram as figuras mais influentes não só na história da filosofia grega, mas na história da filosofia como um todo. Muitos dos filósofos cristãos, inclusive, como Justino o Mártir e Agostinho beberão diretamente deles para elaborar algumas de suas ideias teológicas. Platão era seguidor de Sócrates e tudo o que sabemos do último, sabemos apenas pela pena do primeiro. Por esse motivo, é muito difícil distinguir quando Platão está descrevendo um diálogo histórico de Sócrates e quando ele está apenas usando a figura de Sócrates para ensinar suas próprias ideias. De qualquer forma, vamos agrupar tudo aqui para ficar mais fácil.

Platão tem um papel importante na filosofia da religião principalmente por suas ideias em dois assuntos: política e moralidade. São dois assuntos que Platão gosta muito de meter o bedelho e, coincidentemente, a religião também. Na verdade, durante os séculos 17 e 18, a religião era vista como a fonte e/ou a guardiã da sabedoria política e moral. Eram conhecimentos "unha e carne"! As ideias políticas de Platão tiveram uma influência bem temporária, então mencionarei três influências na moralidade religiosa que continuam sendo sentidas até hoje:

A primeira super influência foi com a teoria das formas. Se você assistiu pelo menos UMA aula de filosofia, foi sobre a teoria das formas. Mas aqui vai um resumo mega resumido pra vocês: A teoria das formas foi a teoria que Platão elaborou para explicar o fundamento de todas as coisas que existem no planeta, desde objetos como flores, até formatos como círculos e ideias abstratas como justiça e bondade. Para ele, tudo o que vemos aqui na Terra é apenas uma sombra imperfeita de formas perfeitas que existem em um mundo abstrato que só pode ser compreendido por pessoas que transcendem o pensamento para algo além do mundo material.

Ufa.

Para Platão, o fundamento de toda a moralidade devia-se à existência de um forma do bem (form of the good). Tudo o que era bom refletia, de uma forma imperfeita, uma forma perfeita da forma do bem. Da mesma forma, alguns filósofos teístas começam a descrever Deus como a "forma do bem" e todas as coisas boas aqui do mundo como meros reflexos imperfeitos da bondade de Deus. É com base nesse conceito das formas que Platão nega com todas as forças que a moralidade é relativa ("o que é bom para você pode não ser bom para mim"), pois o que é bom é tão objetivo quanto objetos; esses conceitos existem na realidade. Este, novamente, é um tema que será abordado por muitos filósofos da religião teístas que querem fundamentar a moralidade objetiva em Deus.

A teoria das formas

Segundo, Platão também foi o primeiro a sugerir que "tudo que começa a existir ou é criado deve por necessidade ser criado por alguma causa". A partir desse raciocínio é que ele elabora a causa suprema, poderosa e inteligente, que é Deus. Agora, o Deus de Platão não se parece muito com o Deus cristão. Ele não é onipotente e não cria o universo ex nihilo (do nada). Ele é mais parecido com a ideia de demiúrgo. Mesmo assim, nem preciso dizer que esta é uma ideia que se alastra por muitos argumentos filosóficos para a existência de Deus a partir do século 19.

Terceiro, o famoso Dilema de Eutífron. Eu quero dedicar um post inteiro sobre esse assunto, então tenha paciência. Por enquanto, basta dizer que este é simplesmente o dilema mais importante para aqueles que alegam que Deus é o fundamento da moralidade e, por isso, tem sido o alvo de inúmeros debates e artigos na filosofia da religião monoteísta. O dilema surge durante um diálogo entre Sócrates e Eutífron enquanto os dois estão tentando chegar a uma definição adequada para "piedade". Eutífron dá uma resposta aparentemente boa para o desafio, dizendo "O que todos os deuses amam é piedade e o que todos os deuses odeiam é impiedade". A fantástica resposta/pergunta de Sócrates a essa explicação é: "Então, a piedade é amada pelos deuses porque é piedade, ou é piedade, porque é amada pelos deuses?" Em termos monoteístas, isto é usualmente transformado em: "A moral é comandada por Deus por ser moral ou é moral por ser comandada por Deus?" Pode não parecer por enquanto, mas esta é uma pedra no sapato para os monoteístas clássicos!

Eu poderia escrever uma lista enorme de outras influências que esse grande pensador teve sobre a filosofia da religião (nem mencionei o dualismo entre corpo e alma que é uma MEGA influência na antropologia cristã!), mas acredito serem essas as mais importantes por ora. Mais para frente elaboraremos um pouco mais em cima delas.

Leia mais:

Qualquer um dos diálogos de Platão (mas principalmente A República, Eutífron, Meno, e Parmênides)

Charles Taliaferro, "Evidence and Faith: Philosophy and Religion since the Seventeenth Century"

Forrest Baird e Walter Kaufmann, "Ancient Philosophy".

William Lawhead, "The Voyage of Discovery: A Historical Introduction to Philosophy".

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