Argumento ontológico para a existência de Deus - Parte 2
Como prometido no primeiro post sobre o argumento ontológico, aqui está a parte 2.
Atenção: Você não conseguirá entender a parte 2 sem ter lido a parte um. Então, para você que ainda não leu...volta lá!
Por que parte 2? Porque a história do argumento ontológico é complexa. Como falamos na primeira parte, Anselmo foi o responsável pelo argumento original. Com o passar dos séculos porém, muitos filósofos começaram a perceber que existiam problemas sérios com o argumento de Anselmo. O maior problema é que Anselmo estava lidando com mera existência, o que sozinho não dá tanta credibilidade ao argumento. Muitos então acharam que seria importante levar o argumento para o lado da existência necessária de Deus.
Surgem então os argumentos ontológicos chamados de argumentos ontológicos modais.
Say what??
Bom, antes de mais nada precisamos fazer uma diferenciação de conceitos. Fique comigo! Prometo que serão conceitos importantes para o seu vocabulário filosófico. A diferença que faremos é entre algo contingente e algo necessário.
Algo contingente é algo que poderia ser diferente. Por exemplo, o seu café da manhã de hoje. Se você comeu um prato de cereal com leite, poderia muito bem ser o caso que você comesse um ovo cozido, ou...nada! Ou seja, o seu café da manhã é contingente. Você pode responder, "não poderia ser diferente porque eu só tinha cereal em casa!" Algo contingente só precisa ser logicamente diferente, mesmo que as circunstâncias te façam pensar que não poderia ser diferente.
Algo necessário então é algo que não poderia ser diferente. Infelizmente, não posso dar nenhum exemplo do seu dia-a-dia que se encaixe com isso, já que todos os seres e todas as situações que vivemos no planeta Terra são contingentes. Quando o filósofo fala de algo necessário, ele está se referindo a coisas (ou ideias) metafísicas. Coisas metafísicas são aquelas que estão além das coisas físicas. Por exemplo, 2+2=4 é um conceito necessário. Não poderia ser diferente. Ou, a famosa frase "o solteiro é uma pessoa que não é casada." Essa frase é necessária.
De acordo com o argumento ontológico modal, existem seres contingentes (todos nós seres terrestres!) e um ser necessário (Deus). Um ser contingente é um ser que poderia não existir e um ser necessário é um ser que não poderia não existir, ou seja, um ser necessário em todos os mundos possíveis.
Aqui surge outro conceito importante e esquisito à primeira vista: existir em todos os mundos possíveis. O filósofo modal (que pensa dessa forma estranha) pensa em todos os mundos que poderiam possivelmente ter existido. Nós vivemos neste "mundo" aqui...um mundo que contém um universo onde existem diversas galáxias. Dentro de uma dessas galáxias existe um sistema solar onde planetas dão voltas no sol. Em um desses planetas existe vida de diversas espécies. Seres humanos nascem, vivem um certo período de tempo e morrem, etc, etc, etc. MAS, o filósofo modal argumenta, existem infinitas outras formas de como o mundo poderia ter sido. Algumas formas absurdamente diferentes do que vemos aqui. Por exemplo, eles dizem, existe um mundo possível em que os planetas são todos roxos e os moradores dos planetas sobrevivem a base de sal. Ou existe um mundo possível em que tudo é igual, mas o Segunda Guerra Mundial não ocorreu ou onde homens ficam grávidos e mulheres não. Ou, de forma mais extrema, existe um mundo possível onde não existe nada!
De acordo com o modalismo, portanto, um ser necessário é um ser que existe em todos os mundos possíveis e um ser contingente é um ser que existe em um ou alguns dos mundos possíveis, mas não todos.
Ufa...com essa loucurada toda em mente, vamos ao argumento ontológico modal. Eu vou colocar aqui o argumento de Alvin Plantinga, que foi o que mais vingou no meio filosófico:
1. É possível que Deus existe.
2. Se Deus existe, ele tem uma existência necessária.
3. Se é possível que Deus existe, então Deus existe em alguns mundos possíveis.
4. Se Deus existe em alguns mundos possíveis, então Deus existe em todos os mundos possíveis.
5. Se Deus existe em todos os mundos possíveis, então ele existe no nosso mundo.
6. Se Deus existe no nosso mundo, então Deus existe.
Portanto, Deus existe.
Acredito que entendendo toda a conversa de mundos possíveis, é mais fácil de entender esse argumento. Quem sabe alguns de você estejam se perguntando como é que Plantinga conseguiu fazer o pulo necessário na premissa 4. A ideia de Plantinga é que Deus, da forma como nós o entendemos (como um ser com grandeza máxima), se existe, existe de forma necessária. Ou seja, Deus existe necessariamente em todos os mundos possíveis. Então, se é possível que Deus exista em um mundo possível, Deus necessariamente tem que existir em todos. Se Deus possivelmente existe em um, ele existe no nosso.
Existem muitos contrapontos para as ideias de Plantinga e contra o argumento ontológico em geral. Por hoje, o post já está longo demais!
Leia mais:
J.P. Moreland, Chad Meister e Khaldoun Sweis, Debating Christian Theism.
Alvin Plantinga, God and Other Minds.
Alvin Plantinga, Nature and Necessity.
Graham Oppy, Ontological Arguments and Belief in God. (Esse filósofo aqui é o maior especialista do mundo em argumentos ontológicos. Qualquer material dele será historicamente bem fundamentado e profundo.)
Além de livros, se quiserem assistir um filme mostrando a ideia de mundos possíveis, assista o filme de 2000 chamado "Mundos Possíveis"