A Filosofia do Amor -- Parte 1
Há alguns dias celebramos o dia de São Valentino aqui nos EUA. Como todos os feriados em um país hiper capitalista como esse, a quantidade de produtos que são oferecidos nos mercados é surpreendente e, é claro, todos os casais saem para celebrar em seus restaurantes favoritos, declarando seu amor pela pessoa amada! Desde que eu e o meu marido nos mudamos para cá, resolvemos celebrar apenas o dia dos namorados brasileiro mesmo. Assim evitamos os restaurantes cheios e os produtos caros (além disso, o clima é bem mais gostoso!).
Falando sobre amor, chegou a hora de compartilhar mais um assunto que tem me fascinado. Este semestre (meu último semestre de aulas antes de começar a desenvolver minha dissertação!), estou fazendo uma aula sobre a filosofia do amor. Aposto que você nem sabia que existia isso, né? A filosofia das emoções é um assunto interessantíssimo e que pode ser aplicado para uma variedade de outras áreas e hoje estarei aplicando para a filosofia da religião.
A filosofia do amor basicamente se resume em debater o que exatamente é o amor. Se alguém te perguntasse "o que é amor?", o que você responderia? Não é tão fácil quanto parece, né? As perguntas continuam: quais as diferentes formas que o amor toma (paternal, romântico, fraternal, etc)? Quando você ama alguém, o que é exatamente que você está amando? Existem razões para amar alguém ou o amor deve ser sem razões?
São essas e outras perguntas que filósofos que estudam amor se fazem. Vou aqui dar duas teorias filosóficas sobre o amor (existem muitas outras, mas não temos tempo) e depois vou mostrar como podemos aplicar isso para o estudo filosófico do amor no cristianismo.
1. Amor por qualidades: Simon Keller é um entre vários filósofos contemporâneos que defende a ideia de que o amor romântico (entre um casal) é amor por certas propriedades ou qualidades. Ou seja, amantes são justificados em seu amor devido a existência de certas propriedades na pessoa amada (como bondade, bom senso de humor, paciência, etc.). De acordo com Keller, essa visão é a melhor porque permite que a pessoa que ama escolha livremente o amor (não é algo involuntário, sem presença de liberdade) e faz com que a pessoa amada se sinta bem sobre si mesmo. A visão de Keller é cheia de nuances, mas é uma visão muito comum entre nós. Se alguém me perguntasse por que amo meu marido, eu começaria prontamente a recitar uma lista de qualidades que amo nele (quem me conhece, sabe que começo a fazer isso mesmo sem ser perguntada!).
Problemas com o amor por qualidades: qualquer teoria do amor baseada em qualidades terá alguns problemas para enfrentar. Por exemplo, se fosse verdade que você ama o seu cônjuge por causa de certas qualidades, nada impede que você troque-o(a) por outro(a) caso apareça alguém com aquelas mesmas qualidades melhoradas (em inglês, esse é o problema do "trading-up"). Além do mais, nada impede que você deixe de amar assim que uma ou mais dessas qualidades mudassem. Mas, é claro, essas não são coisas que vemos com bons olhos quando pensamos em amor.
2. Amor por causa do relacionamento: Niko Kolodny é o filósofo contemporâneo que defende a teoria do amor por relacionamento. De acordo com ele, o amor é a valorização de um relacionamento que tem um certo histórico. Ou seja, qualquer relacionamento que é valorizado, cria vulnerabilidade emocional e razões para agir de acordo com os interesses da pessoa amada. Para Kolodny, as qualidades de uma pessoa não são suficientes para criar amor, mas sim um histórico com a pessoa cria um relacionamento que justifica o amor. E já que dissemos que o nosso impulso é listar as qualidades, Kolodny diz que uma vez que temos um relacionamento com alguém, nós temos boas razões para nos concentrar em suas qualidades, mas é o relacionamento que justifica o amor, não as qualidades.
Problemas: os problemas para a teoria do relacionamento surgem caso você acredite, por exemplo, em amor a primeira vista. Se isso parece estranho para você, então quem sabe o exemplo do pai que se apaixona a primeira vista por sua filhinha torne o problema mais claro. Os dois não tem um histórico, então de onde sai o amor. Além disso, o que dizer de casos em que existe uma relação, mas não existe amor, como entre dois irmãos que se criaram juntos, mas não se gostam?
Falamos de apenas duas teorias, mas espero que tenha servido para atiçar sua curiosidade para ir mais a fundo (cada semana nós temos estudado uma teoria em sala de aula!). Mas, agora, o que isso tem a ver com o cristianismo? Bom, é claro que tem tudo a ver. Faz com que você pense em duas perguntas em potencial:
1. Como devemos entender o amor cristão para com o próximo?
2. Como devemos entender o amor de Deus do ponto de vista cristão?
Quando tentamos responder com apenas uma dessas duas teorias, é difícil encontrar alguma resposta satisfatória. Por exemplo, é bem óbvio que, de acordo com o cristianismo, o amor ao próximo não pode ser devido a qualidades que existem na pessoa amada, e nem é necessário que haja um histórico entre as duas pessoas. Quanto ao amor de Deus, encontramos o mesmo problema: Deus não nos ama por qualquer qualidade que temos e nem existia um histórico entre nós no ato da criação.
Como então, devemos entender esse amor? Bom, ainda bem que as teorias não terminam por aí. No próximo post, analizaremos outras possíveis alternativas.
Leituras:
Simon Keller, "How Do I Love Thee? Let Me Count the Properties", American Philosophical Quarterly 37, 2000, 163-173.
Niko Kolodny, "Love as Valuing a Relationship", Philosophical Review 112, 2003, 135-189.